Para saber quem somos, basta que se observe o
que fizemos da nossa vida. Os fatos revelam tudo, as atitudes confirmam .
Quem é você? Do que gosta? Em que acredita? O que deseja? Dia e noite
somos questionados, e as respostas
costumam ser inteligentes, espirituosas e decentes. Tudo para causar a
melhor impressão aos nossos inquisidores. Ora, quem sou eu. Sou do bem,
sou honesto, sou perseverante, sou bem-humorado, sou aberto - não
costumamos economizar atributos quando se trata da nossa própria
descrição. Do que gostamos? De coisas belas. No que acreditamos? Em dias
melhores. O que desejamos? A paz universal. Enquanto isso, o demônio
dentro de nós revira o estômago e faz cara de nojo. É muita santidade
para um pobre-diabo, ninguém é tão imaculado assim. A despeito do nosso
inegável talento como divulgadores de nós mesmos e da nossa falta de
modéstia ao descrever nosso perfil no Orkut, a verdade é que o que
dizemos não tem tanta importância. Para saber quem somos, basta que se
observe o que fizemos da nossa vida. Os fatos revelam tudo, as atitudes
confirmam. O que você diz - com todo o respeito - é apenas o que você
diz. Entre a data do nosso nascimento e a desconhecida data da nossa
morte, acreditamos ainda estar no meio do percurso, então seguimos nos
anunciando como bons partidos, incrementamos nossas façanhas, abusamos
da retórica como se ela fosse uma espécie de photoshop que pudesse sumir
com nossos defeitos. Mas é na reta final que nosso passado nos calará e
responderá por nós. Quantos amigos você manteve. Em que consiste sua
trajetória amorosa. Como educou seus filhos. Quanto houve de alegria no
seu cotidiano. Qual o grau de intimidade e confiança que preservou com
seus pais. Se ficou devendo dinheiro. Como lidou com tentativas de
corrupção. Em que circunstâncias mentiu. Como tratou empregados,
balconistas, porteiros, garçons. Que impressão causou nos outros - não
naqueles que o conheceram por cinco dias, mas com quem conviveu por 20
anos ou mais. Quantas pessoas magoou na vida. Quantas vezes pediu
perdão. Quem vai sentir sua falta. Pra valer, vamos lá. Podemos maquiar
algumas respostas ou podemos silenciar sobre o que não queremos que
venha à tona. Inútil. A soma dos nossos dias assinará este inventário.
Fará um levantamento honesto. Cazuza já nos cutucava: suas idéias
correspondem aos fatos? De novo: o que a gente diz é apenas o que a
gente diz. Lá no finalzinho, a vida que construímos é que se revelará o
mais eficiente detector de nossas mentiras
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